52 Perdidos

 


Comecei a vida há estes anos atrás.

Estou neste jogo viciado para eu perder e não sabia.

É que eu sempre o joguei na esperança de alcançar algo. 

Ora.

Para quê ter gasto tanta energia.

Vivi de pura esperança.

É a magia da inocência. 

Talvez o que me mantém viva, hoje.

Ou a cegueira teimosa, por vezes, ou escolhida, ou não. 

Quando não se pode escolher e a revolta toma conta de nós.

Quando damos tudo por perdido.

Quando não há muito mais a fazer que respirar fundo e aceitar.

Quando dar um grito aqui e ali, de vez em quando, para me sentir viva e lutadora. 

Quando não sei nada mais.

Mas o corpo teima em respirar e cada inspirar é um acto de resistência e cada acto de expirar, um acto de luta.

Continuo a dizer que estou aqui.

A mostrar que estou aqui.

52 perdidos?

Respiro



Tudo o que tenho 

a respiração.

E, sendo algo que é só meu

como está tão dependente do exterior?

Nem eu me pertenço?

Que frágil sou

Um ecossistema aberto

delicado

vulnerável

decadente

Morro e o ecossistema continua sem a minha consciência.

Retiro-me silenciosamente.

Ficam os meus restos - não o melhor de mim.

Não sou o meu corpo, ou o que ele dita do que sou.

A carne transforma-se e limita.

Mas é a alma que está viva.

Ela é o mar que me rege 

o meu ritmo

e música

É o que trago nas veias.

Espécimen


 Acordei

Não

Apenas me levantei

Não há vida sem sonho

Durmo nos dias que passam

Desconheço em qual vivo

Sonho ciente

Com ciente

Vivi ciente

Suado

Transtornado

Deturpado

Quem me sonha?

Quem me realiza?

Fecho-me

Destapo frinchas

Solto a luz que embacia o frasco

da minha realidade

Alguém fechou a tampa

prendendo-me aqui

Não há como sair

Salto

Estreito-me

Lanço os cabelos

Esses fogem

Voam

Iludem-me

Há pensamento destinado

Perco-me em quem não sou

E apenas sou

Sonhando

Navego



Sustenho a respiração.

De que outra forma se começa algo?

Não sei para onde vou. Sempre me vi num barco à deriva.

Sustenho a respiração. Sim.

Balanço-me no último suspiro.

Como as migalhas de chocolate que restam.

Desapareceu como tudo desaparece.

Fica a memória no papel que, em breve, irá para o lixo.

Amanhã não me lembrarei mais deste.

Nem do seu gosto. Nem do papel. 

O papel é o menos importante no que toca ao chocolate.

A memória joga assim.

Brinca.

Como chocolate para me recordar da infância ida.

Da inocência substituída.

Das cores que entretanto desbotaram.

Das ondas do mar infiltradas na areia.

Para onde foram?

Respiro. Longamente. Respiro.

Sou mar.


52 Perdidos

  Comecei a vida há estes anos atrás. Estou neste jogo viciado para eu perder e não sabia. É que eu sempre o joguei na esperança de alcançar...